Primeira paciente

Thabata Telles
2 min readAug 18, 2022

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Lembro como se fosse hoje. Não comemorei muito esse momento porque não tinha pretensões de trabalhar com a clínica. Diziam que era um caminho difícil, especialmente para quem acabava de se formar. Como me dedicava muito à pesquisa, foi lá onde coloquei minhas forças. Mas precisava escolher meu campo de estágio e foi na clínica que decidi me dedicar pelos últimos 3 semestres da faculdade.

Lembro que encarei esse desafio como algo muito sério. Não tinha tanto medo, mas receios e preocupações. Como seria ficar a escutar uma pessoa desconhecida em uma sala por 50min? Será que eu conseguiria conduzir aquilo bem? E se eu falasse alguma besteira? Minha supervisora já havia dito que, na dúvida, era melhor se calar. Mas e se eu ficasse o tempo inteiro calada e a paciente ficasse constrangida?

Lembro que estava em frente a mim uma mulher, que devia ter uns 50 anos. Cabelos pretos, calça jeans e blusa vermelha — pelo menos é assim que lembro. E eu com calça jeans, uma blusa roxa recém-comprada juntamente com os sapatos fechados, estilo escarpin. Aquela menina que ia às aulas com blusas curtas e sandálias rasteiras precisou mudar um pouco as peças de roupa que usava.

Lembro que essa paciente não ficou por tanto tempo comigo. Acho que tivemos mais algumas poucas sessões depois dessa. Não me lembro do porquê disso, não lembro o seu nome, sua demanda ou o que conversamos. Mas me lembro do quanto que ela me fez sentir que eu podia ser psicoterapeuta. Do tanto que ela me trazia suas questões com a tranquilidade de que eu saberia como lidar com aquilo.

Lembro que eu me senti incrivelmente bem para uma primeira experiência. Uma sensação inesperada de estar à vontade naquele espaço, apesar do desconforto do desconhecido. Um desejo de querer fazer aquilo de novo por mais vezes. Sentia gratidão por alguém estar confiando em mim e dividindo comigo partes tão importantes da vida. E algo parecia me dizer que eu tinha condições de seguir com aquilo. Foi assim que decidi trabalhar com a clínica.

Lembro isso tudo com tamanha nitidez porque hoje, quase 15 anos depois, parece que ainda sinto o mesmo. Tenho um respeito grande por esse espaço, seja como psicóloga clínica ou do esporte. É uma atuação muito bonita e ao mesmo tempo muito séria. As intervenções precisam ser feitas no tempo certo e com precisão, senão perdem seu efeito. Mas também isso requer muita empatia, senão elas sequer serão escutadas.

É paradoxal mesmo. Nunca sabemos como a sessão vai ser antes dela começar. Mas confiamos que somos capazes de oferecer o suporte necessário para que importantes mudanças aconteçam com aquela pessoa que nos escolheu pra ajudar nessa.

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Thabata Telles

Professor & Psychologist. Researcher since I was a child, but got a PhD. Traveler because life said so. Fighter for no reason. Mixing languages & subjects.