O que eu gostaria de poder dizer a mim mesma no início da carreira
Eu sempre gostei da área acadêmica e, desde criança, sabia que queria trabalhar com pesquisa e docência, antes mesmo de decidir qual curso faria. Essa característica me deu um bom norte na vida até o final do doutorado, mas anos depois descobri que o custo disso era mais alto do que eu imaginava.
Entrei em grupo de pesquisa já no início da faculdade de psicologia e tive meu primeiro artigo publicado em revista de alto nível antes de me graduar. Tive financiamento em diversos momentos: iniciação científica, mestrado, doutorado, estágio de docência, projeto de extensão, pós-doutorado. Tive experiência internacional no Canadá, França, Grécia e Coreia do Sul, além de vários textos publicados. Ou seja, me dediquei muito e isso me deu um bom currículo do qual me orgulho. Mas a vida não fica apenas no currículo.
A área acadêmica é muito pesada e poucos têm ideia disso. Trabalhamos muito, ganhamos pouco e não temos tanta valorização social assim. No Brasil, o cenário é bem mal. Na Europa, de modo geral, é um pouco melhor, mas ainda assim é bem difícil se estabilizar profissionalmente e ter uma vida tranquila. Isso já me fez repensar várias vezes a minha carreira. Como sou psicóloga e gosto disso, consigo colocar mais energia nos atendimentos em tempos de crise com a área acadêmica até definir melhor o que fazer da vida — não que isso resolva muita coisa também.
Quando penso sobre tudo isso, percebo que, quando trabalhamos com algo que gostamos muito, muitas vezes nos esquecemos de que aquilo é trabalho. Isso nos levar a trabalhar mais, nos desgastar mais, abdicar de mais coisas da vida e a aceitar condições de trabalho que nem sempre são boas. E então, quando vemos que o tempo passou e a tão sonhada estabilidade financeira segue longe, decepção é o mínimo que sentimos.
Não me arrependo do que fiz, mas gostaria de ter feito com outro olhar. Queria ter começado minha carreira com uma perspectiva clara de que aquilo era um trabalho, por mais que eu me empolgasse. Eu me iludi achando que, se eu me dedicasse muito, seria reconhecida. Mas meus textos são facilmente ofuscados por ebooks práticos e minhas palestras valem pouco perto de vídeos de 1 minuto que viralizam.
Eu nem me nego a usar as redes sociais, mas o que me incomoda é o tanto que a palavra "pesquisa" ficou obsoleta. Recém-formados vendem métodos para fazer isso e aquilo, mas muito provavelmente eles sequer sabem o que essa palavra significa. Achei que as pessoas contratassem profissionais bons, e não aqueles que mais sabem vender. Isso serve tanto para a área acadêmica como na psicologia. A quantidade de jovens com poucos anos de graduação oferecendo supervisão e mentoria é assustadora.
Talvez se eu não tivesse dedicado tanto da minha vida à psicologia, à pesquisa e à docência isso me incomodasse menos. Talvez eu precisasse de uma boa dose de frieza pra olhar pra tudo isso apenas como um trabalho. Queria poder dizer a mim mesma no passado: "não jovem, não vão valorizar o seu trabalho tanto assim. Até vão lhe parabenizar e reconhecer os seus feitos, mas muitos seguirão pagando ao colega ao lado que cobra mais barato, é mais simpático ou mais conhecido e promete ajudar a conseguir x, y ou z".
Já eu sigo com uma boa dose de ética e retidão, sem prometer nada. Qualquer psicólogo sério e qualquer pesquisador que se preze sabe que não podemos oferecer tantas certezas assim. Podemos ajudar a trilhar alguns caminhos e a suportar as intempéries que neles surgem. Podemos compreender melhor algumas coisas e passar um pouco disso a outras pessoas. Mas honestamente não fazemos muito mais do que isso. De resto, cada um segue com a sua vida.
Eu queria poder voltar lá atrás e dizer a mim mesma o quanto que ser psicóloga, professora e pesquisadora é desafiante, empolgante e apaixonante. Mas é exatamente por isso que precisei desenvolver tantas estratégias de auto-cuidado e assertividade, ainda que tardias. No fim, não há fórmula mágica. A gente segue aprendendo e um dia há de encontrar o bom caminho.