Ir e voltar sem encontrar lugar: a maior de quem migra

Thabata Telles
2 min readMar 19, 2024

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*texto publicado no suplemento Olhar Brasileiro do Diário do Minho em 2 de março de 2024*

Quando falamos sobre as dores de quem migra, comumente nos lembramos das saudades que se enfrenta, dos momentos de solidão, das situações imprevistas que nos colocam no impasse de não saber o que fazer, das dificuldades na comunicação com um novo ambiente etc. No entanto, pouco se fala daquela que talvez seja a maior dor de quem migra: a sensação de não ter um lugar para chamar de seu.

Quando chegamos em um novo país ou cidade, sentimos falta da família, dos amigos, da comida, daqueles trajetos e sensações já conhecidos. Porém, ainda que bem adaptados, parece que nos falta algo, como uma peça que não se encaixa, por menor que seja. Por outro lado, coincide-se que, uma vez que partimos, não conseguimos também voltar totalmente ao local de origem e tê-lo como referência única de um lar. Mesmo se visitamos aquele lugar que é velho conhecido, ele agora se apresenta de forma diferente.

É como se idas e vindas acontecessem diariamente entre reminiscências de um local antigo e acontecimentos corriqueiros ao lar que se faz presente. Afinal, com frequência não nos sentimos completamente pertencentes ao ambiente para o qual migramos e igualmente ficamos deslocados ao chegar naquele local que era considerado como casa. No entanto, ele não deixa de sê-lo. Aprendemos a fazer moradas de diferentes formas e a ideia de lar deixa de pertencer a um lugar estático. Quando partimos, perdemos a noção de estar em um lugar onde nos sentimos completamente à vontade. Ao mesmo tempo, desenvolvemos uma boa habilidade de resistir e construir: pontes, laços, lares.

Hoje há casas que só existem em memória e outras que perduram como sonho, junto à expectativa de uma vida diferente. Mas há sempre casa onde estamos, seja por objetos familiares ou mesmo pela familiaridade experienciada pelo nosso próprio corpo: sons, cheiros, sabores e toques. No fim, casa é onde reconhecimento e aconchego se encontram — seja nas sutilezas e pequenos gestos ou nas sensações e percepções mais avassaladoras. Mesmo que isto não seja lá nem cá, mas entre as idas e vindas. Nosso lugar pode estar em qualquer canto, pois belas casas também são construídas no meio de um caminho. E por melhor que elas sejam, remendos e reformas ficam sempre por fazer.

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Thabata Telles

Professor & Psychologist. Researcher since I was a child, but got a PhD. Traveler because life said so. Fighter for no reason. Mixing languages & subjects.